Era verão naquele ano.
Era verão, e como de costume, Danizinha estava na casa de veraneio da família, com pais, tios, primos, e com tudo que a natureza podia oferecer para uma menina nos seus incríveis cinco anos, que ela acabara de comemorar (e que contava com orgulho nos dedos da mão e mostrava para quem quer que perguntasse sua idade). Era um tal de subir em árvore, espiar passarinhos – pois, como se sabe, eles costumam a bater asas quando chegamos muito perto – , caçar besouros… Enfim, tudo o que encanta crianças, e infelizmente passa despercebido por muitos de nós. Tinha até um lago, que ficava bem atrás da casa, onde toda a família se reunia para aproveitar aqueles dias de verão na nossa quente América do Sul.
Porém, naquele dia, Danizinha acordou com tudo. Era o último dia na casa antes de voltar para a cidade, e ela decidiu: "Hoje eu vou aproveitar de verdade". Tanto que nem quis almoçar. Resolveu ficar brincando fora de casa, até que, bem depois do almoço, a barriguinha dela começou a roncar. "Que fome!", ela pensou. E foi correndo para casa comer algo, enquanto todos iam aproveitar o lago antes de ir embora no dia seguinte. Menos a tia Bete, que lhe preparou e serviu o prato de almoço, sempre com o olho em cima da menina. Já teve outras experiências com Danizinha no passado, e sabia que aquela ali era fogo!
– Nossa tia, hoje o almoço tá gostoso mesmo!!!
A tia sorriu: – Deve estar mesmo! Com fome tudo fica uma maravilha!
Depois de limpar a boca de Danizinha com o guardanapo, e ter certeza de que ela havia escovado os dentes, tia Bete advertiu:
– Mas vê se não vai nadar agora, viu? Deixe fazer a digestão primeiro, senão você vai acabar passando mal.
E tascou-lhe um beijinho na testa.
Como Danizinha ignorasse o que era digestão, ela não se fez de rogada. Correu e partiu para dentro do lago junto com seus primos e ficou brincando, brincando, brincando…
…Até que ela começou a se sentir mal.
Eu estava preparando as malas para ir embora à noite para a cidade, quando meus vizinhos bateram na porta. Me explicaram o que aconteceu, e, sendo eu médico pediatra, fui atender a chamada da pequena Danizinha.
Pobre Danizinha! Ela estava chorando, com a mão na barriga, dizendo que ela doía muito, em meio a lágrimas e gemidos. Depois de diagnosticá-la com uma congestão leve, começei a conversar com ela:
– Soube que vocês estão de partida amanhã, certo?
Ela fez um beicinho e um sinal positivo com a cabeça.
– E não queria ir embora sem aproveitar tudo o que podia, né? Eu sei. Por acaso, isso também já aconteceu comigo. Mas isso foi há muito tempo atrás, aqui mesmo, na casa ao lado. Pois eu passei pela mesma coisa que você. Comi e fui correndo para o lago mergulhar. É que a gente às vezes quer aproveitar tudo ao mesmo tempo. Quando estamos felizes, queremos ser mais felizes ainda. Mas na maioria das vezes, isso só nos dá uma grande dor de cabeça. No seu caso, uma grande dor de barriga.
Ela deu um esboço de uma risada, com o rostinho cheio de lágrimas.
– Então, me promete que vai pensar duas vezes antes de almoçar e ir correndo para o lago de novo?
Ela acenou que sim com a cabeça e deu um sorriso:
– Prometo sim, tio! Não quero sentir mais dor de barriga nenhuma.
– Então temos um acordo, certo? Agora é só lembrar os seus pais de darem esse remédio no horário certo, e amanhã você vai estar boazinha. – e passei a receita para as mãos de Danizinha.
- Pode deixar, tio! Eu aviso para eles o horário certo.
Me despedi dela e saí do quarto com seus pais. E é claro que eles ficaram preocupados:
– Doutor, você acha que ela pode piorar…
– Não se preocupe. Eu vou adiar a minha volta para amanhã. Qualquer coisa vocês podem me chamar, tudo bem?
– Ah, obrigado doutor! Ainda bem que o senhor ainda estava aqui!
Voltei para casa, com as malas abertas no quarto, e a cama cheia de roupas. Vou ao telefone e digo que só poderei voltar para o trabalho daqui a dois dias. Quando perguntado qual a razão, simplesmente respondi:
– Emergência médica.
Devo dizer que a noite foi tranquila.
No dia seguinte, levando as malas para o carro, eu vejo as crianças brincando, entre aquele tumulto conhecido de família que está para retornar para casa. E entre elas, Danizinha. Ela me viu, acenou e veio correndo em minha direção.
– Tio! Tio! O senhor é bom mesmo! Hoje estou bem melhor!!!
– Então lembre sempre do nosso trato: nada de comer e ir correndo nadar, tá bom?
– …e que para ser feliz aos pouquinhos, senão dá muita dor de barriga.
Me surpreendi com o que ela me disse nessa idade. Tem gente que passa uma vida inteira sem entender como a felicidade funciona. E lá se foi ela embora correndo. Porém, como se tivesse esquecido algo, ela disse:
– Ah!- voltou correndo, me deu um beijinho no rosto e me disse: – Obrigado, tio!!!
E foi-se embora pelo mesmo caminho que veio.
Geralmente, no inverno, é assim que eu gosto de lembrar dos dias de verão.
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