sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Notícia Antiga

Algo me faz gostar muito desse. Não sei explicar.

Originalmente publicado em 27 de setembro de 2012.



A metrópole não respeita ninguém.
A metrópole é formada de terra, metal e concreto. Ela cresce na vertical, criando marquises infestadas de pombos e suicidas. Corpos que voam seguindo apenas a gravidade, moldando onomatopeias de baques surdos. Lá embaixo há os curiosos para ver o espetáculo, circundando o coitado, o pobre coitado. Celulares com flashs LED iluminam um par de olhos opacos, dezenas de olhos opacos, sem emoção. Porque não há nada de novo para se ver ali, nada de novo que não se tenha visto antes. É só um morto, e isso não mais incomoda, não perturba mais. O que há é uma curiosidade quase autômata, um fraco burburinho de quem não se importa, é apenas mais uma história para se contar em casa.
Qual dos cidadãos bem apessoados reunidos naquele evento, com suas carteiras contendo RG, CPF, CNH, cartões de crédito irá abrir seu jornal de manhã para ler sobre um coitado estatelado no chão por um motivo qualquer enquanto come suas torradas diet e bebe seu suco de laranja embalado em caixas da TetraPak? Quem irá interromper uma conversa telefônica lembrando do ocorrido para comentar e ficar realmente chocado com o corpo de um desconhecido abandonado no meio da calçada, sem calçados? “Menina, você não sabe o que eu vi ontem! É, aquele mesmo. Vi no momento em que ele estava caindo (mentira). Tô chocada (mentira).” Me diga então: qual era o seu nome?
Ele bem poderia não ter nome. E, até onde se saiba, ele não o tem para qualquer um que se pergunte em meio à multidão. Para a multidão que o cerca, ele  efetivamente não tem nome.
Ele nem ao menos existe. É televisão.
A multidão se esvai em questão e minutos. Um ou outro transeunte passa pelo corpo, estica o pescoço em direção ao pouco de sangue que está circundando aquela cabeça vazia – sim, o sangue é pouco, e não aquela coisa cinematográfica de filmes de ação – , cochicha algo com alguém e segue seu caminho previamente traçado. Até que um camburão do IML venha recolher o corpo e conduzi-lo até uma sala de luz fria. E antes que alguém chore sua morte enquanto ele é derramado em uma cova, e antes que a terra cubra o invólucro de madeira onde ele repousa, e antes que seja novamente esquecido, ele esperará, em decúbito dorsal, numa fria mesa de metal.
A metrópole é formada de concreto, terra e metal.

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