sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Quase Eu

Causo real.

Originalmente publicado em 9 de novembro de 2012.



- Ô, Marcelo! – ouvi, numa voz quase imperceptível, o cumprimento enquanto lia, a título de curiosidade, Flor do Cerrado, conto da autora Maria Amélia Mello, o qual eu recomendo.
Voltando ao Marcelo: nunca o fui, nem provavelmente nunca o serei. Meu nome de certidão é outro. Mas, por algum motivo, naquele momento em que estava escondido no ponto de ônibus, sozinho, lendo compenetradamente, virei o rosto na direção do cumprimento. E vi duas meninas numa bicicleta, uma carregando a outra na garupa. A da garupa abriu um sorriso e mandou na minha direção um “tudo bem?” acompanhado de um sorriso, mão espalmada mandando um tchau. Ou um oi. Eu, ali, transfigurado de Marcelo, não vacilei e respondi com outro aceno de mão e um sorriso. Quase respondi um “oi, fulana, tudo bem?”; porém, não iria arriscar um nome. Não me atreveria a tirar a ilusão daquela menina simpática de ter cumprimentado um conhecido – e, a julgar pelo sorriso, provavelmente de alguém querido.
E fiquei ali, olhando as duas indo, imaginando as duas perguntando pro tal de Marcelo o que ele fazia ali naquele ponto de ônibus, lendo. Vai ver ele não lê, vai ver ele não pega ônibus naquele ponto. Ou pelo contrário, pode muito bem ser que ele pegue ônibus e leia justamente naquele ponto, e justamente por essa razão tenham me confundido com ele. E, quando perguntado, talvez ele responda “eu? Acho que me confundiram com outro, hein?”, ou, então, com um meio sorriso, daqueles meio embaraçado de que pode ser que ele tenha se esquecido do dia, acene que sim com a cabeça, ou use de qualquer outra concordância. Ou – mais estranhamente – talvez ele lembre perfeitamente bem até a roupa que as duas estavam vestindo. E que era ele realmente, e não eu, quem estava lá. Eu poderia muito bem nunca ter estado ali, nunca fui eu mesmo, sempre fui o outro. E o outro fui eu, ou ninguém.
Mas peraí, isso está ficando muito Luis Buñel pro meu gosto. Ou não, vai saber.
Esqueço que sou Marcelo e volto a ser eu. Onde é que eu estava, mesmo? “A primeira coisa que ele fez foi olhar para o meu sapato. Ele podia ter me matado, eu sei. Ele bem que podia ter me salvado.” Era o fim.
Engraçado isso da gente mudar de gente e depois voltar a ser gente.

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