sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Cidadezinha Besta

Me doeu o coração após escrever este.

Um dos meus top favoritos - e que me deu orgulho.

Originalmente publicado em 07 de março de 2012.




Era um mendigo que ia ao coreto da praça, sempre pontual, às cinco da tarde. Chegando lá, puxava seu caderninho e começava a declamar poemas. Terminava de declamar sempre às 6 da noite, impossibilitado de continuar a ler pela ausência de luz natural.
Eram os poemas mais lindos de que se havia tido notícia, o que fez com que virasse atração da cidade. Jovens, idosos e crianças se dirigiam à praça para ouvir suas composições em versos. Recebeu várias homenagens, inclusive chave da cidade do prefeito, que via nele ótima oportunidade para promover sua reeleição.
Vai que um dia o prefeito, num átimo de luminosidade cerebral, resolveu instalar luzes artificiais no coreto. Coincidência ou não, naquele dia o mendigo chegou, declamou e percebeu o acender das luzes. No mesmo instante, sem titubear, deu meia-volta sobre os calcanhares e achou caminho diverso ao que fazia habitualmente. Não apareceu mais durante bom tempo.
Os cidadãos sentiram falta nos primeiros dias. Os poemas eram muito belos, o ânimo da população não era mais o mesmo. E digo mais: começaram a andar de maus bofes, sofrendo de uma animosidade crescendo em grau escalar.
Num belo dia, Raulzinho, filho de dona Quitéria, começou uma briga com o Pedrinho por causa de bolinhas de gude. Dona Quitéria a tudo assistia, e uma raiva inexplicável cresceu dentro dela, fazendo com que desferisse safanão portentoso no Pedrinho. Dona Junoveva, mãe de Pedrinho, não se fez de rogada. Veio de dentro de sua casa ostentando uma frigideira, punho em riste. A briga, começada ali, se espalhou por toda a cidade. Atos de violência e depredação se arrastaram por todo canto, chegando mesmo às luzes artificiais instaladas na praça, devidamente rebentadas por arremessos pétreos. Tanto bastou para que o mendigo aparecesse, como usualmente fazia, às cinco da tarde com seu bloquinho de notas pronto para recomeçar a ler seus poemas. Passos rápidos, mal chegou e começou a cantarolar seus versos.
Mas alguns jovens e idosos, os mesmos que ali ficavam para ouvir os poemas maravilhosos do mendigo, apontaram-no como causa de todos os problemas surgidos naquele dia. E bateram, bateram muito no mendigo. Após o linchamento, jazia o corpo do mendigo no chão, e, não satisfatoriamente contentes, rasgaram seu caderninho para incendiá-lo na sequência. Tudo acontecendo sob os olhares estupefatos das crianças.
Mal sabiam eles que o mendigo era analfabeto de pai e mãe, e nada havia de escrito no caderninho. A poesia era o mendigo.
Morreram mendigo e caderninho à toa.

Nenhum comentário:

Postar um comentário