Esse é um post fora de ordem - único, espero eu - porque não encontrei uma ferramenta do Blogger que importe os posts do Wordpress.
Originalmente publicado em 10 de março de 2012.
Era um senhor que há muito morava na cidade grande.
Certa noite, ao dormir, sonhou. Sonhou com a cidade onde passara sua infância e juventude, portanto, os melhores dias de sua vida. O problema é que era um sonho cheio de lacunas. Já não reconhecia suas praças, sua igreja e suas árvores. Nem mesmo a casa que crescera lhe era vívida. Tudo muito impessoal, artificial, plástico.
Acordou deprimido. A partir daí, tinha esse sonho recorrente. A repetição do sonho não ajudava em nada para que ele relembrasse qualquer detalhe a mais de sua cidade. Consequentemente, acordava sempre deprimido e frustrado.
Após mais alguns dias, decidiu: iria visitar sua cidadezinha. Passaria lá alguns dias, depois voltaria pra casa. Precisava – e já era tempo – relembrar seus tempos de moleque, pois tinha medo de que seus sonhos agravassem seu estado de espírito.
Mal entrou na cidade e as lembranças lhe chegavam pelas narinas. Aquele cheiro. Cheiro de pão quentinho, de chuva, de roseiral. A praça central da cidade encantou-lhe os olhos, e os ipês amarelos, floridos, deixou-o boquiaberto. As ruas de paralelepípedos estavam cheias das mesmas crianças jogando futebol, fazendo chinelos de dedo de traves, devidamente recolhidos toda vez que um carro atrapalhava momentaneamente a brincadeira, para voltarem logo em seguida, com nova marcação de espaço feita pé após pé descalço.
Após percorrer distraidamente as ruas da cidade, surpreendeu-se. Acabara de parar defronte sua antiga casa. Ali pode ver uma senhora com uma criança dando banho num cão. Teve o impulso de pedir para entrar na casa, mas se conteve. Não era preciso. Tudo voltara. Percebeu lágrimas lhe escorrendo pelo rosto, e percebeu que aquele garoto também percebera. Decidiu sair dali, não queria assustar o garoto mais do que já o assustara.
Chegou ao hotel à noitinha, jantou e dormiu, Naquela noite teve sonhos maravilhosos, coloridíssimos. Acordou com a certeza do que deveria fazer dali por diante.
Voltou no dia seguinte para a cidade grande. Pediu demissão de seu empreguinho burocrático, arrumou as malas e dali a três dias estava de volta à cidadezinha.
Lá escreveu um ensaio sobre suas experiências e conseguiu publicá-lo num periódico da cidade. Aquele texto chamou a atenção, e em pouco era amplamente divulgado por aí afora. Muitos experimentaram voltar às suas cidades de origem, e devo dizer: foi sucesso total. Houve grande processo migratório reverso, e passou a receber cartas e mais cartas com agradecimentos e crônicas de experiências alheias. Tornou-se autor de sucesso após escrever seu único livro best-seller.
Percebeu que aquele sonho insosso não era único, muitos sonhavam o mesmo sonho. E a consciência de que ele fazia parte da mudança – para melhor – na vida de tantas pessoas lhe era motivo de imensa felicidade.
Hoje, ganha a vida viajando pelo mundo dando palestras sobre o acontecido. Infelizmente, ele agora passa muito tempo fora de sua cidadezinha, e a saudade lhe aperta o peito.
Mas quando ele volta…Ah, quando ele volta…
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