sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Pecadilhos

Me senti exausto ao escrever este.

Um dos meus favoritos.

Originalmente publicado em 31 de julho de 2012.



É o mesmo, a sala com cheiro de cigarro queimado
e algum aroma fraco do conhaque.
É a tevê com filmes antigos de bang-bang.
A claridade tênue vindo da janela, vindo de um clima nublado
um clima que invade a alma, fazendo caminhar lentamente pela casa, cabeça baixa.

Não tenho tempo agora.

“Esse clima é o Diabo!”
Antes de fechar as cortinas, uma olhada rápida para a rua
e um par de pernas caminhando, pernas trocadas
de um ébrio, cantando
e batendo com as mãos nas placas de sinalização. Em manhã de Agosto,
parecendo não se importar com o frio, um bêbado.
(As pessoas reclamando do frio,
mas não reclamando realmente. É um praguejar sem querer dizer muita coisa.
São bons dias, boas tardes, boas noites, tudos bens
mecânicos, superficiais, automáticos.
Autômatos.
Elas não sabem o que é frio.)

Não tenho tempo agora. Melhor você ir embora. É pena que eu não tenha um cigarro pra te oferecer. Não fumo, parei, isso sempre me fez mal. Prefiro assim, tenho que correr, e cigarros me tiravam o ânimo.

Esses dias meses anos ele acompanhou a namorada à cartomante
ela não gostou do resultado
ele não gostou do resultado.
Acabaram que não ficaram juntos, não casaram, não tiveram filhos
e ele desconfia que a culpa, parte da culpa
ou culpa completa foi da cartomante. Isso. Completa culpa.
A cartomante sorriu, apanhou o dinheiro e o colocou no sutiã.
Certamente a cartomante gostou do resultado.

(Ele levanta, calça os chinelos e apanha o telefone: Alô? Você poderia me mandar um táxi? Sim, sim, eu espero. Obrigado.)

Olhando para o céu dá pra dizer que esse clima vai durar ainda
por alguns dias meses horas
tanto faz.
As cortinas não vão ficar abertas para saber o resultado
e tanto faz pra ele
como tanto fez pra ela
como tanto fará para todos nós.

O telefone toca. É o táxi. Ele apanha algumas notas de dentro da carteira e entrega à moça.

Ele espera que ela esteja sentindo frio também, em algum lugar
(que não é ali, nem perto dali, talvez nem nesse planeta
não mais nesse tempo. Onde estará agora?)
que esteja o mesmo frio de rachar, esse frio que o faz tremer ao segurar a xícara quente de café
a xícara que está dançando nas suas mãos.
Não, não é bem frio que ele quer que ela sinta
isso seria cruel
e ele não é cruel, não quer parecer nem ser cruel. O café esfria e ele o abandona
o café também abandonado. E parte para o conhaque.

Ela chega em casa. Apanha as notas que colocou no bolso e percebe que há mais que o suficiente para pelo menos mais quatro corridas como aquela.

Está na sala, esperando, esperando,
assim como as lavadeiras na beira do rio esperando mensageiros
mas o que vem é chuva intermitente descendo e fazendo subir
o rio, os mares, até que cubra tudo, sem ter no que se agarrar
presas em galhos de árvores, e a imagem de uma embarcação ao longe
sem ter como fazer sinal de socorro
sem ter como se salvar
sem ter. E o que temos todos,  afinal?
(E o rosto fica vermelho devido ao pequeno escrúpulo
de saber que não pode falar por todos.)

Está frio lá fora. O que ele quis dizer com aquilo? 

Ó Ó Ó faz a tevê 
um programa de crianças calouras. Uma reprise.
As crianças já estão velhas, bem mais do que a imagem diz que estão.
Algumas já devem até estar mortas, não se sabe o que pode acontecer com uma criança caloura
ou com o motorista de ônibus
ou com uma cartomante e com os seus clientes.

E tenta lembrar das palavras “Agora não tenho tempo. Não há tempo. Não temos tempo algum tempo algum algum tempo sobremaneira.”  
Não, não foi isso.
                            
As cortinas são fechadas, seguidos por um boa noite proposital.
Ele vai tentar fechar os olhos e dormir um pouco
está se sentindo esgotado.
(Algumas noites não são próprias para se passar em branco,
algumas noites de frio especialmente noites de frio não servem para ficar acordado.)
Puxe um edredon, deixe a tevê ligada e leia um livro
um livro qualquer enquanto o sono não vem
um livro qualquer que faça esquecer dos outros
porque já se esqueceu de si.

Lá fora está frio. Aqui dento está frio. Os pés estão cobertos pelo edredon. As notas pousam sobre o criado-mudo. Não há tempo, ela se encolhe. Dorme
não dorme
dormem.

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