Entrou no bar, punho em riste:
- O Diabo é que ela não entende! A distância é necessária, pelo menos um tiquim assim. Por que infernos ela não vê que eu estou sempre junto a ela? Nossa alma não separa mais. Se nós tivéssemos 20 anos ainda, vá lá...Que é isso que você está bebendo?
- Conhaque.
- Dá-me cá.
Virou de uma talagada, estalou a língua, limpou a boca com as costas das mãos.
- Percebeu?
Sorrindo, o balconista respondeu:
- Percebi.
Deixou uma dose de conhaque na pendura e partiu.
* * *
O médico entrou no quarto. Um casal de idosos: ele na cama, ela apertando-lhe a mão.
Respirando com dificuldade, o senhor pergunta:
- Cumpri as que lhe havia prometido?
Ela, rosto cheio de orgulho e sorriso aberto, responde com muita dificuldade (a emoção tomara-lhe conta):
- Todas.
Ele sorriu e partiu.
Ela chorou e ficou.
O médico não sabia qual promessas eram, talvez todas. Mal conseguia ficar ali de pé. Precisava sair, precisava de uma cadeira, precisava ver a esposa, precisava qualquer coisa. Chorou até não poder mais.
E quem não?
Quisera todos pudessem partir assim. Em paz.
* * *
Ele entrou no quarto e viu o filho rabiscando as paredes. Desenhava um sol. Ele sorriu e ficou assistindo.
- Um sol, filho?
- É.
Entra o marido, olha pro filho e faz um olhar de reprovação:
- Rabiscando o quarto? Não vai dar nem um puxão de orelha, querido?
- Tá doido?! Deixa ele rabiscar.
E emenda:
- Esse vai ser poeta.
O outro suspira, resignado:
- Eu queria mesmo é que fosse advogado. Mas vá lá: numa dessa me sai um Camões...
O esposo olha para o marido, e negativando-o com a cabeça, sorri: dá pra ver que o marido não entende nada de poesia.
O sol está torto.
Tá na cara que será um Drummondezinho.
* * *
Entraram de mãos dadas no bar. A banda tocava, e, enquanto todos somente a escutavam, eles dançavam. Logo chamaram a atenção, e o burburinho foi grande:
"Mas ninguém dança aqui!"
"Pô, mas música não é pra isso mesmo?"
"E se a gente também..."
Logo foi o primeiro casal, alguns solitários e outros em grupos. Afastaram as mesas para os lados, invadiram o salão e dançaram. Dançaram até amanhecer o dia.
Foram todos para suas respectivas casas, cantarolando. Pés doloridos, mas com um imenso sorriso no rosto.
Divertiram-se, foi isso.
E o Sol lá fora, ninando-os em seus sonhos.
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