terça-feira, 29 de abril de 2014

Cartinha Despretensiosa ao senhor Luciano Huck

          Senhor Luciano Huck, olá.
          Gostaria de começar lhe informando de que não sou seu fã, e que não fui nem nunca o serei.  Acompanho a sua carreira televisiva desde a época do H, programa da Band, e vi sua ascensão à Globo, emissora na qual você apresenta seu atual programa, o Caldeirão do Huck, o qual acho de mau gosto. Primeiro pelo nome: “Caldeirão do Huck”. Meio pretencioso colocar o próprio sobrenome no programa, mas entendo que ele não lhe pertence mais: afinal, “Huck”, agora, é uma marca. E quanto mais promovemos uma marca, mais ela é lembrada, certo? Um dos tantos processos da máquina capitalista. Segundo, seu discurso demagogo: engraçado como você gosta de tudo e de todos. Sua imagem de “rapaz atrapalhado” em campanhas publicitárias. Seu “assistencialismo” entre aspas, pois nunca o vi dar nada de mão beijada a ninguém. “There’s no free lunch”, você deve conhecer essa expressão muito bem, não é? Para que alguém tenha um automóvel e/ou casa reformada, é necessário “pagar uma prenda” que, geralmente, consiste de expor cidadãos brasileiros ao ridículo, como fantasia-los de Michael Jackson, Caubí Peixoto ou Beyoncé e fazê-los imitar o dito artista. Mas vou parar por aí. Minha indignação é outra. Começa com o caso de racismo envolvendo o lateral direito do Barcelona e da seleção brasileira Daniel Alves.
          Vamos por partes:
          Daniel foi genial. Arremessaram-lhe uma banana. Ele curvou-se, descascou a banana, a comeu e cobrou o escanteio. Gênio. Não teria feito melhor.
          Neymar publicou uma foto com a hashtag #somostodosmacacos . Não, não somos. Ninguém é macaco, a não ser os próprios macacos. Mais adiante me aprofundarei sobre o assunto.
          É aí que você aparece.
          Quando vi uma foto sua com a sua esposa, na qual o senhor segura uma banana e posta a dita hashtag, meu estômago embrulhou. “#somostodosmacacos”, você escreveu.
          Com quê direito o fez?
          O senhor sabe o que é andar pelas ruas à pé, sem uma escolta de segurança? O senhor mora em alguma comunidade? O senhor pega algum coletivo, sem ser pra produzir algum quadro de seu programa? O senhor ganha um salário inferior ao de seus colegas de trabalho brancos? O senhor é parado por policiais para averiguarem se porta alguma arma, entorpecentes ou produtos de roubo simplesmente pela cor da sua pele? O senhor já foi chamado de macaco? Já lhe arremessaram bananas?
          O senhor é negro?
          Essa foi, a princípio, a minha indignação. O senhor quis, de forma arbitrária, tomar a dianteira e ser protagonista de uma luta por igualdade que não lhe é de direito. Não lhe é e nem nunca será. “#somostodosmacacos”?
          Não. Não somos. Pelo menos, eu, não. Sou branco. Nunca me olharam desconfiado pela cor da minha pele. Nunca me chamaram de “tição”. Nunca tomei porrada da polícia por ser mais escuro. Nunca me mandaram tomar o elevador de serviço por ser negro. Nesse ponto, eu posso me comparar a você, mas para por aí: a começar, pela nossa conta bancária e, em última (ou primeira) instância, pelos nossos princípios. Nunca saberemos o que é sofrer, na pele, os abusos e humilhações que a população negra do nosso país sofre pelas atitudes desse rascunho de ser humano que é o racista.
          Mas mandá-lo se recolher ao seu lugar nem chega a ser o caso. Acho que você nem tomou nota do que eu quis lhe passar até agora. Sua inteligência, pelo que eu percebi logo depois, não é emocional. Sua inteligência deve ser tão somente aplicada a números. Porque o que me deu realmente nojo da condição humana teve seu andamento algum tempo depois – e ainda nem sei como escrever o que se seguiu. Foi torpe e inumano.
          Eu não sei de onde surgiu a ideia de capitalizar em cima desse ato de racismo. Não sei se Neymar e você trocaram figurinhas. Mas vender camisetas com uma banana estilo Wharrol com a mesma hashtag? No dia seguinte? O senhor não tem vergonha? Ética? Moral? Bom senso? O senhor está sendo mal aconselhado?
          Não. O senhor está em sua plena faculdade mental. O senhor quer dinheiro.
          Camisetas a R$ 69,00? Dividido em 6x? Que público você quer atingir? Pessoas de baixa renda? O favelado? O trabalhador que rala de segunda a segunda, sol a sol, com dificuldade para por comida no prato para ele e sua família? Como vão parcelar isso sem cartão de crédito? Ou as vendas pelo site incluem um carnê como os do Baú da Felicidade? Claro que não! Seu público são brancos de classe média/média alta, pré-universitários/universitários, bombadinhos de malhação, os que saem pra balada beber seus uísques com Red Bull aos fins de semana. Resumindo: seu público, seu auditório de programa. O marketing desse produto hediondo foi direcionado para eles. Basta ver os modelos “macacos” que você usou para propagar seu produto: branco, loira, com óculos hypster. Não há sombra de democratização ou conscientização nessa sua “jogada”.
          O senhor não aprendeu nada com a anterior exploração da tragédia pelo seu site Peixe Urbano. Outro tiro no pé.
          Espero realmente que sua campanha se torne um fracasso. Espero realmente que sua boca cheia de dentes e suas mãos cheias de dedos aprendam um pouco mais sobre ética empresarial.
          Eu não sou macaco. O senhor não é macaco. Os negros não são macacos.
          Não propague essa ideia.

          Desculpe se não lhe mando abraços. Mas estimo melhoras ao seu bom senso.

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