Entrou com pressa no lugar que ela costumava chamar de “lar”. Pressa e algum incômodo. Não que tivesse passado por momentos tristes ali, era o incômodo de saber que não pertencia mais àquele lugar. E sua pressa não era fuga, era abandono. As cartas já tinham sido jogadas na mesa, os dois não poderiam mais viver como um casal. Cada dia a mais juntos seria artificialidade, mentira, tristeza.
Entrou no quarto, e, após pegar duas mochilas, começou a abrir gaveta a gaveta, juntando peças de roupas que julgava essenciais. Ao abrir as portas do guarda-roupa, começou a chorar. A cena das roupas do casal juntas lhe bateu fundo, fazendo-a sentar na cama. A cama que eles dividiam. Foi o que ela pensou ao pousar as mãos sobre elas: as mesmas que ela colocou no rosto em meio a soluços. Depois de alguns minutos fez um gesto com as mãos, como querendo espantar maus pensamentos, pegou suas roupas e as jogou na cama, paraq logo após dobrá-las e as colocar nas mochilas. Algumas não couberam, e ela tornou a pô-las no guarda-roupas. A sensação de deixá-las sobre a cama, abandonadas, a fez pensar na reação dele ao entrar no quarto e vê-las ali, displicentemente postas à vista. “Ele não merece. Aliás, a gente não merecia isso”. E pensou se alguém algum dia merecera a dor da separação, esse quase sufocar que ela sentia agora. Saiu com passos arrastados do quarto.
Passou direto para a sala de entrada e se encaminhava para a porta, quando estacou o passo e se virou. Contemplou aquele lugar que lhe era tão familiar. O sofá, a televisão, os discos.”Os discos”. Separou alguns e conseguiu colocá-los na mochila após algum esforço. “Bem empurrado, dá”, e sorriu. Depois se virou para a mesa de centro. Sobre ela um vaso, um cinzeiro e um porta-retratos com as fotos dos dois. Segurou a foto por um instante, mas logo o devolveu à mesa. Ela não queria chorar novamente. “Não, melhor não levá-lo”. E, num movimento rápido, pegou o cinzeiro e caminhou para a porta novamente. “O retrato é demais para mim”. Escreveu um bilhete, leu-o, resolveu amassá-lo e enfiou-o no bolso. Bilhetes nessas horas eram todos iguais. Abriu a porta, carregou as mochilas, saiu e fechou a porta atrás de si. Sentiu o coração se apertar, apoiou-se na porta e chorou. “Então é assim”. Mas ficou com a sensação de que ainda faltava algo a ser dito. Tirou o bilhete do bolso, tentou desamassá-lo e o enfiou debaixo da porta.
Decidiu descer pelas escadas. A pressa sumira, e ela também tinha muito em que pensar. E claro, ainda tinha o inconveniente de trombar com ele no elevador. Nunca se sabe os efeitos que um encontro, num momento desses, pode causar.
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